Quedas de 10% no S&P 500 e o Que a História Nos Ensina

O Mercado Passa Mais Tempo Perto de Máximas do que em Crise

Desde 1945, as ações de grandes empresas americanas passaram a maior parte do tempo — cerca de dois terços — em máximas históricas ou em até 10% abaixo de máximas históricas. Esse é um dado importante para lembrar durante períodos de forte queda: historicamente, o mercado opera mais próximo do otimismo do que do pânico, mesmo quando as manchetes apontam o contrário.

Ao analisarmos mais a fundo o comportamento do mercado, observamos que os bear markets, definidos como quedas de 20% ou mais, representaram cerca de 31% do tempo. Curiosamente, apenas 11% desse tempo foi na fase de queda em si; os 20% restantes ocorreram na fase de recuperação de bear market. Ou seja, as quedas são rápidas e dolorosas, mas a recuperação tende a ser mais longa e consistente.

Por outro lado, as correções de bull market — consideradas quando ocorrem quedas entre 10% e 20% — são historicamente raras, representando apenas 3% do tempo. Embora assustem no curto prazo, essas correções geralmente não definem o ciclo de mercado como fazem os bear markets.

Esse contexto reforça um ponto crucial: quedas acentuadas de curto prazo podem gerar oportunidades táticas, especialmente quando são motivadas por pânico e não por problemas estruturais. Mas o posicionamento de longo prazo ainda depende de fundamentos mais amplos.

UBS Report, Outubro 2024: The Bear Market Guidebook

O Que Acontece Após Quedas de 10% em Dois Dias?

Nos dias 3 e 4 de abril de 2025, o S&P 500 caiu mais de 10% em apenas dois pregões, devido à implementação surpresa de tarifas comerciais por parte dos EUA. Foi uma queda rápida e violenta — um evento raro, comparável às grandes quedas da história recente: Black Monday (1987), a crise de 2008, e o colapso da COVID em 2020.

O que vem depois desses eventos frequentemente contraria as expectativas. Enquanto o medo paralisa muitos investidores, os dados históricos mostram que o mais importante pode ser justamente o que vem a seguir: a recuperação.

O Que a História Nos Mostra:

Historicamente, quando o S&P 500 cai mais de 10% em dois dias, há uma forte tendência de recuperação no curto prazo — desde que o gatilho não seja um colapso sistêmico.

  • 1987 e 2020: Recuperações fortes em menos de um mês, com ganhos superiores a 10%

  • 2008: Volatilidade contínua, mas surgiram janelas para compras táticas

  • 2025: Mostra sinais semelhantes de reversão técnica

Média de Retorno 1 mês: +5,4%
Média de Retorno 3 meses: +8,9%
Chance de Retorno Positivo: 78–82%

Histograma da distributição de retorno de um mês após uma queda de 10% ou mais em dois dias. (Usamos bootstrap para aumentar a amostra e os resultados prevaleceram positivos)

Nosso histograma mostra que o centro de gravidade dos retornos de 1 mês após quedas bruscas como essa é claramente positivo. Veja o que os dados indicam:

  • A cauda esquerda — que representa quedas adicionais acentuadas — é fina, embora não inexistente. Esses são os chamados cenários de “duplo mergulho”.

  • A cauda direita — que representa recuperações maiores do que o esperado — é mais pronunciada. Em alguns casos (como em 2020), o mercado subiu entre 20% e 30% em poucos meses.

Análise Estatística: Os Bastidores do Padrão de Recuperação

Para testar esse cenário com mais profundidade, simulamos os retornos assumindo uma distribuição normal (Gaussiana):

  • Média ≈ Mediana (~5,5%): Sugere uma distribuição de retornos equilibrada e simétrica

  • Assimetria ≈ +0,12: Leve inclinação positiva, indicando um viés moderado para recuperações mais fortes

  • Curtose ≈ +0,07: Próxima do ideal (zero), o que indica ausência de risco excessivo de extremos

Sob essas premissas, aproximadamente 88% dos retornos simulados foram positivos, com a maioria concentrada entre +2% e +10% — um perfil clássico de reversão à média.

Portanto, embora os mercados raramente sigam uma distribuição normal em geral, durante janelas de pânico como essa, o comportamento dos retornos de curto prazo tende a se aproximar de uma distribuição normal com viés otimista.

Sinais Que Reforçam o Cenário de Recuperação:

  1. Volatilidade (VIX):
    Historicamente, quando o índice VIX ultrapassa o nível de 40 — como ocorreu em 2020 e novamente em 2025 — as chances de uma forte reversão aumentam significativamente. Esse patamar sugere que o medo atingiu um extremo insustentável, criando as condições para uma resposta técnica dos mercados.

  2. Amplitude de Mercado (Market Breadth):
    Quando 90% ou mais das ações do S&P 500 registram queda em um único pregão, isso frequentemente indica um evento de capitulação. Esse tipo de venda generalizada costuma "limpar o terreno" e preparar o mercado para repiques de curto prazo.

Além disso, outro indicador que reforça o potencial de recuperação vem do sentimento dos investidores. Segundo os dados mais recentes da AAII, em meados de abril de 2025, o percentual de investidores otimistas caiu para 23,6%, enquanto os pessimistas saltaram para 34,6%. Essa inversão marca um momento raro em que o pessimismo supera o otimismo — uma dinâmica frequentemente observada próxima a fundos de mercado.

Esse tipo de esgotamento de sentimento cumpre uma função semelhante à capitulação técnica: reflete um mercado onde o medo superou o posicionamento racional, abrindo espaço para uma reversão à média de curto prazo. A história mostra que, quando as expectativas estão tão distorcidas para o lado negativo, os mercados muitas vezes sobem na contramão do consenso.

Bulls vs. Bears – Investors Intelligence (14 de abril): quando a linha verde (bulls) cruza acima da linha vermelha (bears), aumenta a probabilidade de que o mercado tenha encontrado um fundo.

O Que os Dados Realmente Nos Mostram

Utilizar o Bear Market Almanac 2025 da Morgan Stanley ajuda a enquadrar a recente volatilidade dentro de um contexto histórico mais amplo. Embora as quedas de mercado frequentemente pareçam sem precedentes no calor do momento, a história conta uma outra narrativa — esses episódios fazem parte do ritmo natural e recorrente do ciclo de investimentos.

Ao analisarmos os principais bear markets do S&P 500, alguns dados se destacam:

  • A queda mediana foi de –28%

  • A duração mediana foi de cerca de 259 pregões

  • Em média, o mercado leva 2 a 3 anos para recuperar suas máximas históricas após uma queda acentuada

Essa perspectiva histórica é útil para calibrar expectativas. Ela nos lembra que, embora os mercados caiam de forma rápida e intensa, as recuperações são mais longas, graduais — mas consistentes.

Morgan Stanley Report Bear Market Almanac Abril, Dashboard.

Grandes Quedas Antecipam Grandes Recuperações?

Para ir além da intuição e dos exemplos pontuais, realizamos um estudo baseado em simulações para avaliar se quedas superiores a 10% em dois dias no S&P 500 de fato antecipam retornos positivos nos meses seguintes. Utilizando tanto modelos de distribuição normal quanto testes de causalidade de Granger com bootstrap (reprocessamento estatístico), simulamos 1.000 amostras e avaliamos sua significância estatística.

  • Apenas 4,4% das amostras de 1 mês e 4,8% das de 3 meses mostraram poder preditivo estatisticamente significativo

  • Esses resultados estão no limite da aleatoriedade

Em termos simples: embora os retornos médios após quedas sejam geralmente positivos, o padrão não é previsível de forma confiável. O histograma de resultados mostra que, embora a maioria dos retornos fique entre +10% e +20%, a cauda esquerda (resultados negativos extremos) é larga o suficiente para sinalizar risco adicional de novas quedas.

Portanto, sim — a reversão à média existe, mas não é garantida. É uma tendência, não uma regra. Por isso, é essencial combinar dados históricos com o contexto macroeconômico atual antes de tomar decisões.

Por Que Esta Queda Parece Diferente — Mas Talvez Não Seja

A queda de abril de 2025 foi motivada por risco político — tarifas comerciais — e não por um colapso financeiro ou de crédito (ao menos por enquanto). Essa diferença é relevante: o mercado absorveu um choque, não um colapso sistêmico.

Além disso, o cenário macroeconômico atual adiciona nuances importantes:

  • Recompras de ações corporativas continuam próximas de níveis históricos, o que oferece suporte técnico ao mercado

  • A inflação está se estabilizando, reduzindo a pressão sobre novas ações do Fed

  • Revisões de lucros, embora em queda, não estão em colapso

Em conjunto, esses fatores apontam mais para resiliência do que para falha estrutural. Apesar das preocupações legítimas com valuation — especialmente com a possibilidade de queda nos lucros projetados — o pano de fundo ainda não sugere uma reversão prolongada ou descontrolada.

Morgan Stanley Report Bear Market Almanac Dados de 5 de Abril.

Uma Observação Sobre os Fundamentos: Por Que Desta Vez Pode Ser Diferente

Embora os padrões históricos mostrem que quedas de 10% em dois dias frequentemente geram repiques expressivos, o posicionamento de longo prazo exige uma visão mais cautelosa e refinada — especialmente quando os fundamentos estão em transformação.

Morgan Stanley’s GIC Estimativas pros Earnings do S&P500.

Vamos Ilustrar com um Exemplo Simples:

  • O lucro por ação projetado (EPS) do S&P 500 para o ano fiscal de 2025 está atualmente em torno de US$ 270.

  • Uma queda conservadora para US$ 230 — ou uma contração de 15% — seria plausível caso margens sejam comprimidas ou as receitas desacelerem.

  • Ao mesmo tempo, o mercado vinha negociando a 22,5 vezes os lucros projetados até janeiro, o que o coloca no percentil 95 da história de valuation — um ponto de partida excepcionalmente elevado.

Se assumirmos uma normalização dos múltiplos para algo mais mediano, entre 17x e 18x, a conta muda rapidamente:

  • 17 × 230 = 3.910

  • 18 × 230 = 4.140

Essa simulação coloca um valor justo implícito simplificado para o S&P 500 na faixa de 3.900 a 4.150 pontos. Em outras palavras, os níveis atuais do índice podem estar entre 20% e 30% acima do que os fundamentos e os valuations históricos justificariam.

No entanto, vale lembrar que diferenças entre valor justo e preço de mercado podem, em certos momentos, ser explicadas por expectativas de crescimento ou redução nos prêmios de risco.

Ainda assim, mesmo que um repique técnico esteja em andamento, o cenário de longo prazo é mais desafiador. Com risco de queda nos lucros e possível compressão de múltiplos, o otimismo encontra um teto mais baixo.

Conclusão: Respeite o Contexto, Mas Não Ignore a Oportunidade

Mesmo diante do risco de valuation, é importante reconhecer o outro lado da moeda nos bear markets: a fase de recuperação. Historicamente, alguns dos maiores ganhos não ocorreram em períodos de estabilidade, mas logo após quedas profundas.

UBS Report, Outubro 2024: The Bear Market Guidebook

Após o colapso de 51% durante a crise financeira de 2007–2009, o S&P 500 disparou 104% na fase de recuperação. Recuperações semelhantes — entre 42% e 81% — ocorreram após os bear markets de 1972, 1987 e 2000. Esses exemplos reforçam uma lição importante: os mercados frequentemente fazem fundo antes mesmo de os fundamentos mostrarem melhora visível.

Dito isso, timing e valuation ainda importam. Com as estimativas de lucros projetados em queda e o S&P 500 negociando muito acima da faixa ajustada aos fundamentos, o posicionamento de longo prazo precisa ser mais criterioso e consciente dos riscos. Caso o índice se aproxime da faixa de 4.000 a 4.150 pontos, a dinâmica de risco e retorno se torna bem mais atraente — mais próxima de um cenário conservador em fundamentos, mas ainda com espaço para expectativas de crescimento.

Nesse contexto, uma recuperação de bear market — aquela que começa com sentimento esgotado e valuations reprecificados — se torna terreno fértil para operações táticas, uso de opções de curto prazo, ou realocações ágeis. A questão não é acertar o fundo exato — é entender o ambiente e tomar decisões com clareza sobre as probabilidades.

Quedas de 10% em dois dias no S&P 500 são raras — e a história mostra que costumam oferecer setups com alta probabilidade de retorno no curto prazo. Mas a recuperação daqui para frente tende a ser mais lenta, volátil e sensível ao valuation.

Por isso, tamanho de posição, controle de risco e um entendimento claro sobre como utilizar instrumentos de opção não são acessórios — são essenciais.

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