A hora da verdade bateu na porta dos mercados.
Nos últimos 16 meses confesso certo desânimo com a forma de enxergar os mercados e os movimentos entre classes de ativos, o último trade macro que estava confiante foi na disparidade entre a taxa longa americana e a taxa longa alemã com curva de juros invertida nos EUA, ainda em 2018/2019, desde então, minha forma de interpretar os mercados não me indicava posicionamento tático com tanta clareza na maioria dos trades como nas últimas 2 semanas.
Explico abaixo, o artigo é longo mas resume minha forma de pensar na hora de decidir (e a clareza na alocação tática para os próximos 2 trimestres) abaixo, um atalho para os que gostam de assistir meus videos no youtube:
A forma como eu gosto de acompanhar as teses de alocação macro não envolve a busca por “calls precisos” em ativos individuais, o que foge um pouco a forma como a maioria dos especialistas de mercado se posicionam (argumento -> tese -> desdobramentos). A minha forma parece mais complexa, mas na verdade é mais simples se temos capacidade de antecipar possíveis movimentos correlacionados entre variáveis-chave, como o dólar e as commodities, ou o tesouro americano e os bonds e o câmbio dos emergentes. Basta que estes possíveis movimentos se encaixem dentro de possíveis narrativas (e melhor ainda se houverem eventos no curto-prazo para reforçarem a narrativa como reuniões do Fed ou definições da OPEC, por exemplo).
Se anteciparmos possíveis efeitos de desdobramentos nas variáveis-chave e em suas derivadas (outras classes de ativos que “pegam carona”) e confiarmos que possivelmente a chance de estarmos equivocados seja menor que a de estarmos certos, então temos confiança para se posicionar. Durante diversos momentos é muito difícil de se ter clareza em encontrar os “astros alinhados” pois o comportamento errático do mercado e as quebras de correlações causadas por política monetária ou outros fatores mundo afora atrapalham a leitura macro. Precisamos de níveis históricos para contrapor a nossa probabilidade de errarmos ser maior que a de acertarmos. Acredito que agora sim chegamos nestes níveis.
Pois bem, passados os principais eventos da agenda política americana no fim de 2020, e, observando a resiliência na atual irracionalidade nos mercados (Russel no topo dos topos, padrão gráfico absurdo para emergentes e commodities desde novembro de 2020) além de uma percepção pessoal de um excesso de otimismo com a recuperação global instituicionalizado nas narrativas do mundo financeiro, começo a me animar novamente com o que poderá se desenrolar adiante:
1) Movimento correlacionado: Taxa longa americana vs commodities (cobre e ouro em foco)
Está se desenhando um movimento que: ou penaliza a curva de juros longa americana (e global), ou seja, a subida dos juros longos a nível global está só no início e vai correr para buscar a diferença que se abriu em relação ao preço de várias commodities industriais e de energia. De forma clássica, esse padrão de comportamento beneficia a classe de ativo “mercados emergentes” e pode pressionar o Dollar Index ladeira abaixo (graficamente o ponto do DXY está interessante para os próximos desdobramentos macro, os grafistas sabem disso no fintweet).
Como acompanhar essa diferença mencionada então?
Interpretando:
Não caiam na armadilha de atribuir causalidade aos movimentos (não existe “variável líder aqui”), mas, sinta-se a vontade para interpretar que (i) ou a taxa de juros segue subindo “para tirar o atraso” vs o cobre (cai o valor de face do tesouro e dos ETFs de tesouro como o TLT, por exemplo) -> não é impossível de imaginar que o mesmo movimento supostamente de percepção de aumento de inflação esqueça de beneficiar o ouro (denominador da função), o que faria que a linha azul buscasse a linha laranja numa espécie de “meio de caminho”. (cobre ficando estável, então ouro sobe e linha azul cai, e juros do tesouro segue subindo). Neste contexto, o cenário se mantém otimista para a tese de reflação global e é prato cheio para a famosa teoria onde “ao se imprimir dinheiro de forma desenfreada, nasce o monstro da inflação no mundo”. Não deixo de acreditar nos fundamentos da teoria, mas confesso que o mercado não é tão previsível assim...tenho minhas dúvidas mas não posso descartar a hipótese.
Entretanto, o outro lado da moeda seria (ii): (ou para contrapor o “ou” do parágrafo acima) o preço do cobre cai (e os juros do tesouro “pelo menos” param de subir). Lembrando aqui que o cobre é o nosso famoso “Doutor Cobre”: indicador de apetite pelo crescimento ou decrescimento da economia e do comércio a nível global. Ou seja, para este segundo contexto entrar em vigor, precisaríamos de uma sequência de queda nas bolsas e indicadores econômicos continuando fracos….ao passo que a taxa de juros longa americana ao menos segure a atual tendência de alta, o driver aqui no segundo caso é a “volta do pessimismo das economias”, acompanhada, claro, de um endividamento corporativo topando os 7 trilhões de dólares (recorde).
Entrando em vigor está segunda narrativa (que me agrada mais) onde “o crescimento global não será essa beleza toda como imaginamos”, e, dado os movimentos direcionais (históricos) mais recentes em ativos de risco (Russell, Emergentes, commodities, e principalmente setor de energia), eu acredito então que a linha azul tenha potencial de cair com muito mais força para encontrar a linha laranja. Não sei se o tesouro americano retrocederia com tanta violência aos níveis de mínimas históricas igual o mês de Agosto de 2020, acredito que aqui o ouro tende a subir mais devido ao pânico e não a inflação (afinal, o ouro é o denominador da função da linha azul e os gold bulls adoram momentos de pânico pois estatisticamente nos últimos 30 anos foi prato cheio para o metal precioso, muito mais eficiente que a inflação, pelo menos até o momento atual).
2) Previsibilidade nos desdobramentos: enxergando luz no fim do túnel para se posicionar com margem de erro “folgada”
Supondo que essa disparidade no gráfico acima se corrija ao longo dos próximos 2-4 meses nos mercados, o que então aconteceria adiante (sem muito mistério)?
Primeiro, devemos nos atentar as expectativas vs os fatos que poderão aparecer no mundo da política monetária “insana”.
Olho na Austrália: se algum emergente como a Austrália aumentar os juros (dado que a curva longa / curva curta está em nível histórico, o país é exportador de commodity e teve baixos casos de covid vs o resto) haverá no mercado de crédito uma pressão nos outros emergentes para seguirem o mesmo caminho, ou, serão penalizados no câmbio e no outflow de investimentos que irão para a Austrália (por exemplo) ou para os corajosos que subirem juros. Essa é apenas uma hipótese, mas o importante é se atentar a subida de juros dos emergentes, independente da Austrália.
Detalhe: vários emergentes, como o Brasil, se endividaram “até o talo” em 2020, e, portanto, nesse cenário, o serviço da dívida ultrapassará com folga o (suposto) crescimento de PIB esperado para os próximos anos. Ou seja, além da análise apontar para o clássico cenário de crise de crédito e escassez de dólar no mundo emergente, estilo anos 80 e anos 90, será necessário mais pernadas de alta seguidas nas commodities para bancar uma continuidade de fluxo de investimento principalmente nos emergentes frágeis que importam em dólar e exportam em moeda local. Mas...é aí que a segunda hipótese levantada acima (ii) coloca o nível de risco dos mercados em situação de precipício....qualquer vento que venha contra a narrativa de crescimento global, arrebentará com os emergentes.
Se fosse resumir o contexto em jogo a um trades “simples” (simples é sempre melhor que o bom), o trade estaria em calls de TLT (tesouro longo americano 20 anos) e calls de XLF (setor bancário americano, supostamente se beneficiando de alta de juros, pois aumenta a margem de interest entre o custo de depósito e o custo de empréstimos). Na outra ponta do mesmo trade, estaria em foco o puts no dollar index (ETF UUP) vs puts em cesta de commodity (ou câmbio de emergentes frágeis).
Na minha forma de enxergar, ou a corda estoura para um lado, ou para o outro e é questão de tempo. (ou sobe o dollar com pessimismo global e retrocede a taxa de juros longa, ou a taxa de juros longa e as commodities seguem rompento topo).
Resumindo: se a linha laranja subir para encontrar a linha azul, então o XLF tende a ganhar e a put em Dollar Index também tende a ganhar. Se a linha azul baixar para encontrar a linha laranja, então Tesouro Longo americano tende a ganhar e a put em commodity ou emergentes também tende a ganhar.
Concluindo: A beleza disso tudo é que a próxima reunião do Fed, além de ser de fim de trimestre (março) - historicamente as surpresas costumam ocorrer em fim de trimestre (março, junho, setembro e dezembro) - ainda poderemos ver o mercado interpretar uma Yellen e um Jay Powell falando ou de Yield Curve Control (positivo para o tesouro longo, pois basicamente o Fed imitará o BC Japonês limitando através de compras no mercado a taxa de juros longa a níveis de juros artificialmente inferiores), ou, em via totalmente oposta, mencionando o uso de U$ 1T “sentado no balando do Tesouro” desde o ano passado, o que de acordo com os analistas de mercado interbancário mais espertos, forçará os bancos a taxas de depósitos negativas e uma “crise de excesso de liquidez”, o fato também tende a derrubar o dólar index e favorecer commodities. (novamente os mesmos quatro ativos mencionados estão no jogo TLT vs XLF e Dollar Index vs Commodities)…
Veremos.
Obviamente o conteúdo escrito aqui não deve ser de forma alguma interpretado como sugestão de investimento, e sim, com fins ilustrativos versus a leitura de mercado, as únicas garantias que temos na vida é que um dia iremos morrer e que pagaremos impostos.
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