O que 2008 nos ensinou e como aplicar os mesmos ensinamentos em 2020.
Até a sexta-feira, véspera de carnaval, o assunto do Coronavírus ainda não preocupava os investimentos ao redor do Brasil e dos EUA, além de muitas outras regiões do mundo. Entretanto, assistimos este ano uma das maiores quedas da história dos mercados financeiros. Apenas no S&P500, em 33 dias foram 34% de queda. No Ibovespa, uma das bolsas que mais subiram no mundo em 2019, foram 45% (em reais) e 53% (em dólares se medido pelo ETF EWZ).
Como comparar com 2008?
Timeline: 2020 Versus 2008
O S&P500 atingiu topo de 1550 pontos em outubro de 2007, depois de um ano conturbado (mas em geral OK) com pequenas correções em março e em agosto. Uma vez no topo, o índice viu 20% do seu valor ir embora rapidamente até o final de janeiro. Entretanto, e em apenas três semanas do fundo de janeiro, a bolsa já havia recuperado 10%. As notícias que saíram não foram positivas e o mercado foi testar o fundo no dia 17 de março de 2008, antes da temporada de resultados das empresas do primeiro trimestre.
Entre o fundo de 17 de março e um novo topo, o que levou apenas 6 semanas, o mercado recuperou aproximadamente 15% até maio, ficando aproximadamente 9% abaixo do “topo histórico” do momento. Durante o final do mês de abril e o início do mês de maio é quando a maior parte das empresas apresentam seus resultados aos investidores.
Após o “alívio” das 6 semanas, onde eu acredito que muitos investidores tiveram que decidir (assim como hoje) entre “ficar de fora”, ou “voltar rápido para aproveitar a subida”, vagarosamente, a fragilidade econômica foi se tornando realidade nos resultados corporativos e no mercado de trabalho. A festa terminou em maio de 2008, quatro meses antes da quebra dos bancos, entre maio de 2008 e março de 2009 quando vimos a correção mais cruel dos tempos modernos, durando 10 meses e com perdas de aproximadamente 60% para quem entrou no topo de outubro de 2007, e, 50% para quem entrou em abril no “false flag” de recuperação no intervalo entre março a maio.
O fim da história foi positivo nas bolsas para os que aguardaram com parcimônia para efetuarem entradas apenas após março de 2009. Após o “fundo dos fundos” em março de 2009, o S&P500 subiu aproximadamente 65% até janeiro de 2010, para aqueles que estavam comprados no topo de outubro de 2007, ou que entraram com alto peso no respiro de maio de 2008, infelizmente, a espera para recuperar foi até abril de 2013.
Na época, as medidas impostas pelo Fed foram também consideradas “inovadoras” e estavam cercadas de incertezas, mas, olhando para o passado, as medidas foram cruciais para a volta da liquidez e da confiança dos investidores no mercado financeiro (com um pouco de atraso se comparado a “suposta resposta atual”). Ao longo do final de 2009, início de 2010, as expectativas de uma continuidade de cortes de guidance e resultados corporativos que inicialmente estavam muito ruins, foram melhorando vagarosamente e ao estilo “não está tão ruim como os analistas pensavam”, e , no fim, os resultados vieram e moldaram a expansão mais longa da história (e até então a “mais cara” para o balanço do Fed). O pico desta expansão foi observado no segundo e terceiro trimestre do segundo ano do governo Trump.
Com isso, a grande questão para 2020 não deixa de ser: estamos, na data de hoje, vivendo um false flag e, o que virá adiante pode ser tão destruidor (ou mais) que em 2008? Ou, “dessa vez é diferente”?
Não existe uma resposta certa e qualquer um que disser que tem certeza que sabe o que está falando, provavelmente está mentindo. Do lado positivo, desta vez, a causa por trás do impacto é um choque “diferente”, além das respostas dos BCs terem sido mais rápidas e em conjunto com políticas fiscais imponentes. Do lado negativo, muitos indicadores globais já apresentavam “pé no freio” em 2019 e a década de juros baixos pós-2008 incentivou muitas empresas (e pessoas) a aumentarem suas dívidas, o “choque do Covid” chega em um momento de endividamento corporativo “no topo” e taxas de poupanças baixíssimas, principalmente para a geração de millenials. Além disso, a China, maior contribuinte para o crescimento global na década passada parece ter perdido seu charme e estar altamente endividada.
Portanto, acredito que no longo-prazo, apenas uma continuidade mais forte de crescimento tecnológico com ganhos de produtividade e margens para as empresas poderá dar uma performance tão forte como a observada entre 2009 e 2018. Também acredito que devemos prezar por diversificação e alta qualidade nos investimentos, seja em renda fixa, ou variável.
Finalizo a parte 1 com o seguinte recado: este poderá ser o principal tema das próximas semanas, e poderá ter forte influência no andamento do ano:
Cortes de lucratividade das empresas.
Negociação do índice: P/E Ratio do índice (Price-to-Earnings Ratio) “quanto vale o índice vs o lucro por ação das empresas”.
As principais lições de 2008 parecem ter sido esquecidas:
1) Investimentos que buscam crescimento rápido são sempre interessantes, entretanto, deixar um portfólio exclusivamente “na mão” da performance de ativos de alto risco tem seu preço em momentos de inflexão do ciclo econômico e cortes de lucros nas previsões;
2) Buscar investimentos com altos retornos olhando apenas para uma perspectiva histórica recente pode custar caro, o investidor que possui ativos de risco na carteira e que olha para performances em 2018 e 2019 sem fazer estudos concretos de balanços facilmente e historicamente “entra no topo e sai no fundo”, qualidade de balanço e diversificação, além de calma na montagem de posições são essenciais, independente do momento;
3) A ganância e o pânico poluem decisões, em momentos de extremo otimismo a mentalidade de “manada” em comprar na queda”que vai subir rápido”para a renda variável e “se esse ativo não der 10% ao ano não vale a pena” para a renda fixa, devem servir como alerta e não como incentivo. Em momentos de pessimismo o “estamos caminhando para o fim do mundo” e “o sistema monetário global irá acabar” também podem indicar que já está na hora de começar a pensar em entrar novamente nos investimentos.
Seja no mercado de renda fixa, seja na bolsa, mantenha posições diversificadas e entenda o seu “real” perfil de risco, em segundo lugar, saiba o risco real dos seus investimentos, não é porquê um ativo teve uma performance de X ou Y nos últimos 12 meses que este ativo é “seguro”, ou, “os juros que eu recebo são bons”. Saiba aonde você está colocando seu dinheiro!
Na parte 2 deste artigo vou mostrar como você pode acompanhar a temporada de resultados do S&P500 de forma grátis e fácil, além de criar um checklist para comparar 2020 com 2008/2009. Acredito que nas próximas semanas, conforme vários resultados corporativos começarem a sair, teremos muito mais noção dos reais impactos do coronavirus na bolsa e no mercado de bonds!
Até lá! Muito obrigado por nos acompanhar por aqui!