Um trilhão no Reverse Repo? Como funciona essa dinâmica. (Parte 1)
Para explicar de forma simples como funciona o Reverse Repo, preciamos antes entender outras duas dinâmicas, primeiro, a dinâmica do Repo, em segundo, o porquê esse mercado existe e o porquê se tornou tão importante nos últimos anos.
1) O Fed de NY é o maior dealer do mercado de Repo. O que é o Repo?
Repo é uma forma de resumir a palavra repurchase agreement, contratos de recompra de curto-prazo, muitas vezes utilizando títulos do tesouro americano como lastro. No repurchase agreement, a instituição financeira, como um banco ou um hedge fund, que necessita de dólares pode “colocar” os seus ativos (majoritariamente títulos do tesouro americano) em margem em troca de depósitos, T-Bills ou cash em dólares. Qual o motivo para necessitarem de dólares no curto-prazo?
Geralmente, e de forma simples, na maioria das vezes a urgência se dá por razões de necessidades de caixa de curto-prazo. Os bancos, por exemplo, precisam ter balanços adequados a métricas de risco que exigem depósitos em dólar, ou, pode ocorrer o fato de alguma instituição “grande” como um cliente do banco, exemplo uma empresa blue chip, que por qualquer motivo (como um pagamento de juros de bond, ou algum investimento onshore ou offshore), necessite de dólares “líquidos” rapidamente.
Importante mencionar que em situações de rápida deterioração no contexto macro, como a pandemia, ocorrem “corridas para liquidez em dólar”, e, a importância desse mercado de repo é crucial para “segurar” o mercado. Desde a crise de 2008, o rápido acesso a canais de liquidez através da mesa do Fed de NY ajudou a estabilizar estresses e evitar liquidações mais agressivas de ativos como ações e bonds. Isso se deve ao fato do mundo ter como reserva o dólar, e, do Fed ser o “emprestador de último recurso” em um mundo dolarizado. Apenas os players domésticos (americanos) têm acesso direto ao canal de liquidez de repo. A influência do Fed no mercado offshore se dá através das mesas de swap do Fed, onde apenas os bancos centrais aprovados pelo governo americano têm acesso a um canal similar para adquirirem dólares. (após julho de 2021 o Fed oficializou o FIMA, um canal de Repo com um preço mais caro que os swaps para qualquer BC no mundo).
A pergunta que o leitor deve estar fazendo é, por que interessaria ao Fed oferecer esse canal?
O Fed não quer volatilidade no valor dos bonds do Tesouro, portanto, se as instituições puderem apenas emprestar seus colaterais em contratos de curto-prazo, o Fed consegue atingir esse objetivo sem necessidade de assistir a um “sell-off” nos treasuries a nível global, além, obviamente, de segurar os impulsos do mercado e manter o US Treasury como o ativo mais valioso do mundo, tanto em margem como em importância.
2) Dinâmica do processo: os fundos de Money-market e como o caixa da Fannie Mae e Freddie Mac influenciam o processo.
Existe a taxa de juros efetiva adotada pelo comitê do Fed, conhecida como EFFR (Effective Federal Funds Rate), a qual era “o piso” dos juros... até a crise de 2008, quando o mercado de repo “virou” a verdadeira taxa de juros efetiva no mercado global (ou pelo menos o piso dela). Passa despercebido, mas por mais que o Fed diga que a taxa atual é de 0.25%, o Fed trabalha dentro de um “range” (0 – 0.25%). Em alguns momentos a taxa do EFFR pode estar mais próxima de 0%, em outros mais próximas de 0.25%, o mercado de Repo e o IOER (interest on excess Reserves, juros nas reservas dos depósitos deixados com o Fed) são exemplos das principais ferramentas para “manobrar” essas variações quando existe algum risco de “saírem do range”.
Fundos de Money market: em diversas instituições financeiras, como bancos e corretoras, o caixa parado em depósitos (de clientes “pessoa física” e de clientes pessoa “jurídica) é automaticamente convertido em Money market funds, são fundos que possuem diversas regras de restrição de ativos que podem compor os “produtos”, na sua maioria, devem ser ativos de curta-duração para não haver risco de duration, e, devem ser ativos de alta qualidade de crédito, como T-Bills e bonds Investment Grade próximos ao vencimento (T-Bills, notas do governo americano com vencimentos curtos, com 1 mês até 12 meses). Entre as restrições dos mm funds, a principal é que eles não podem “break the buck”, ou seja, o valor da cota do fundo deve sempre ser estável em 1.0 e não podem variar. Apenas nos EUA, em 2021 são 4.5 trilhões em mm funds, e fora dos EUA mais 5 trilhões. (referência, este artigo do excelente blog do Joseph Wang “how does the ON RRP floor work?”).
Durante períodos onde o Fed é capaz de subir os juros, como no período entre 2015 e 2019, os mm funds chegaram a render mais de 1.5%, excelente “estacionamento pro cash”, os fundos encontravam no mercado T-Bills e certificados de depósito de bancos comerciais que “bancavam” os 1.5%.
Ou seja, alguns bancos, preferem “emprestar” seus depósitos para fundos de Money market, dessa forma, “abrem espaço de balanço” dentro das restrições de Basel para poderem trabalhar seus ativos e passivos sem “amarras”. Portanto, imagine que existe um mercado paralelo onde os depósitos de bancos comerciais são negociados no overnight, esse ponto é muito importante para você entender o ON RRP (reverse repo do Fed).
Para concluir a parte 1, é importante mencionar a influência das GSEs (Government Sponsored Enterprises) como a Fannie Mae e Freddie Mac, instituições importantes pois são “responsáveis” pelas dívidas no mercado hipotecário (e que foram “estatizadas” ao quebrarem na crise de 2008).
Uma outra forma dos bancos comerciais ou “reduzirem” ou “monetizarem” os seus depósitos (passivos) é deixando eles no balanço do Fed, o qual tradicionalmente paga juros nas reservas, ou seja, o Fed pode controlar a EFFR pagando um pouco a mais ou um pouco a menos no juros dos depósitos dos bancos comerciais que “ficam no Fed”, isso influencia diretamente os juros dos T-Bills e os fundos de Money market. Entretanto, por questões legais, instituições governamentais, como as GSEs não podem ser remuneradas em juros “extras” ao deixarem caixa no balanço do Fed, e, devido a essa questão, a influência das GSEs “furou” o piso da EFFR, supostamente o “controle” da taxa usando o IOER do Fed.
Em outras palavras, por mais que o Fed tivesse o desejo de controlar a taxa de juros de curto-prazo através do IOER, como as GSEs não tinham retorno financeiro nos juros sobre os depósitos deixados no balanço do Fed, em eventual acumulação de depósitos nos seus balanços, as GSEs “descontavam” no mercado o preço de face desses depósitos a valores inferiores ao EFFR e ao IOER.
Em um cenário “normal” é raro que haja algum “problema” no range da EFFR, e o fato não costuma chamar a atenção da mídia. Na parte 2 deste artigo, explicarei no detalhe a importância do ON RRP para segurar o “piso” deste range e o qual começou a chamar a atenção da mídia, principalmente após o envio de 1.1 trilhão de dólares em cheques do tesouro americano para a população como medida de política fiscal do governo americano durante a pandemia. Afinal, se o piso do mercado entrar em território negativo, os mais de 9 trilhões de dólares de fundos de Money market viram problemas sérios no mundo financeiro global, né?
Artigo e estudos em conjunto com o meu amigo Doc Trader.
Se você gostou deste conteúdo, recomendo alguns artigos escritos no site do Doc que podem ajudar a entender mais sobre alguns detalhes mencionados. Também recomendo toda quinta-feira acompanhar ao programa Econodoc no canal do Doc do youtube. (link aqui).
Artigo: “Como é composto o Balance Sheet do Fed?” link aqui.
Artigo: “Basiléia 3 e Ouro, problemas a frente?” link aqui.