A contradição do mercado - Análise Especial de Thanksgiving
Percebe-se nos últimos dias que a narrativa de curto-prazo aponta um otimismo renovado com o ano de 2021 para as bolsas, emergentes e renda fixa de qualidade de crédito especulativo, os chamados High Yield.
Neste artigo aponto algumas contradições e o porquê o momento exige mais cuidado que nunca.
1) Otimismo com recuperação de lucros?
Utilizando o scorecard da Refinitiv de 18 de Novembro de 2020, percebemos que o segundo trimestre de 2021 e o terceiro trimestre de 2021 apresentam um otimismo acima do comum:
A expectativa é que as receitas aumentem em torno de 12.6% e 7.1% respectivamente. Destaque para o setor de energia e industrial na tabela.
Na tabela abaixo, podemos enxergar as expectativas de lucros para o Full Year 2021 e as revisões:
Percebam que o otimismo atual é menor que o de julho de 2020, onde os analistas esperavam uma melhora de 31.5% no lucro das empresas do S&P500 para o ano de 2021. Atualmente, em 22.5%. (reflexo de um terceiro trimestre ligeiramente acima do esperado).
O setor Tech teve queda marginal de 4% nas expectativas de lucro para 2021 (de julho até novembro), como este é o maior setor da bolsa, os impactos são sentidos rapidamente, em paralelo, o setor de energia, que hoje é o segundo menor dos 11 tem uma expectativa de crescimento de lucros de 590.9% para o ano que vem.
Detalhe: o setor de energia teve mais que uma década perdida, no fechamento de outubro de 2020, o setor valia o mesmo que em 2004. Eis que entramos em novembro, e a performance do setor sobe 35%.
2) Drivers:
Os argumentos para a rotação que justificam a saída de papéis que tiveram um ano estelar devido os seus business models amigáveis em relação ao contexto da pandemia, e, que viram as alocações partirem para papéis abatidos, com mais de 50% de queda no ano, e, que pertencem a “economia real” são:
a) Será mais difícil para os “growth stocks” de tech manter o ritmo de crescimento de lucro no mesmo ritmo que observado em 2020.
Exemplo: Netflix, a ação atingiu o topo histórico no mês de setembro, e no mês de novembro já apresenta 10% de queda. Outro exemplo interessante é o próprio índice Nasdaq que engatou uma sequência negativa de dois meses (setembro e outubro) de 10%, algo raro.
b) Em paralelo, o pessimismo com as ações de tech/growth é transformado em um mágico otimismo com as empresas que estavam na contramão durante todos os meses do ano, principalmente com os setores mais abatidos e que enfrentam inclusive spikes de defaults nas empresas mais frágeis (que não estão no S&P500 entretanto).
O motivo? As vacinas “vão trazer o mundo de volta a normalidade”, talvez… mas acho improvável que já em 2021, mas, provavelmente em 2022 há validade no argumento, então, mesmo que o mercado esteja errado em relação aos lucros de 2021, uma provável complacência que coloca já 2022 como o real ano da recuperação seria justificável.
Ou seja, a conclusão inicial é óbvia e vai em linha com o que sempre comento, que revisões marginais de lucro futuro são os drivers do fluxo institucional. Até aqui nenhuma surpresa.
Mas e a contradição onde entra?
Quando misturamos as opiniões em relação a lucratividade futura com a performance de outras classes de ativos, e, se adicionarmos os indicadores econômicos na equação, talvez, o cenário não seja tão bonito como parece. Ainda tem que melhorar muito!
Além disso, temos as expectativas de mudanças no comando do Fed e do Treasury, supondo o cenário base de Biden na presidência, o qual poderá ser confirmado apenas no dia 14 de dezembro, quando os colégios eleitorais entregarem os votos oficiais.
Taxa de juros de longo prazo americana, dólar index, ouro e inflação.
Se existe um argumento que impacta a variação do ouro negativa mais recente (queda de aproximadamente 10% desde o início de setembro até a penúltima semana de novembro) esse argumento é a subida da taxa real de juros americana de 10 anos.
Vejam a linha azul, representando o dia 1 de setembro de 2020 para os vencimentos de 5 a 30 anos do tesouro, agora vejam a linha amarela, do dia 25 de novembro, dia que escrevo o artigo.
De fato, o movimento de redução da taxa real de juros é interessante, indo de -1.08% nos 10 anos para -0.87%, um movimento de 20 basis points. Qual é a equação (versão simples) da taxa de juros real?
Juros Real = Juros Nominal – Inflação
Ou seja, no período entre o início de setembro e o fim de novembro, ou a taxa de juros nominal subiu, ou a inflação futura precificada diminuiu, certo?
Ok.
Contradição #1: Crescimento econômico orgânico é ruim para o ouro? E inflação no consumo? A narrativa atual esqueceu disso?
Utilizando o modelo de Forward Inflation Expectation Rate do Fed de St Louis, percebemos que:
Entre o início de setembro e o dia 22 de novembro, a inflação futura ficou entre 1.85% e 1.78%. Ou seja, difícil dizer que a inflação poderia estar por trás do movimento, o que por consequência seria inclusive benéfico para o ouro (se estivesse subindo com persistência).
Portanto, se assumirmos que o efeito é no Treasury Nominal e não na inflação, e, se somarmos essa percepção com o argumento que “se a economia melhorar então as taxas de juros mais longas devem sair dos patamares de mínimas históricas”, então, confirmamos um efeito similar ao observado na taxa real acima: entre setembro e a penúltima semana de novembro, a taxa de 10 anos do Treasury foi de 0.66% para 0.88% (os mesmos 20bps).
Então, o que concluímos é:
De fato o mercado precifica uma melhora no crescimento econômico adiante (supostamente), mas que esse crescimento ainda não é capaz de mover a inflação. (ou, um descontrole fiscal americano, mas, isso não vem ao caso, pois se viesse, a Europa teria taxas maiores que o Brasil)
Eis que encontramos a primeira contradição:
-> O crescimento econômico implícito significa redução de desemprego futuro, aumento de salários, e, principalmente, aumento do consumo.
Agora, olhem para o mesmo gráfico acima nos anos de 2017 e 2018, nestes anos “de ouro”, o desemprego americano era tão baixo que faltava mão-de-obra, em paralelo, o crescimento de salários atingiu topo histórico, principalmente para as classes mais baixas da sociedade e, principalmente, para os latinos e negros.
Advinha, o que o crescimento de salários e desemprego baixo, em um país onde o consumo representa 2/3 do PIB traz?
Inflação.
Advinha quem se beneficia de uma percepção maior de inflação?
Ele mesmo, o ouro. Entre fevereiro de 2016 e agosto de 2019, o “mesmo crescimento econômico” trouxe 33% de ganho para o ouro (por causa do “medo da inflação”).
Contradição #2: O crescimento econômico atual é tão resiliente que explica a bolsa em alta?
Não menos importante que o #1, o desemprego atingido no auge da pandemia penalizou aqueles que haviam se aposentado e voltaram ao mercado de trabalho nos anos de ouro do governo Trump. Ou seja, os dados atuais de desemprego esquecem de adicionar que milhões de americanos não contam mais como desempregados pois voltaram a suas aposentadorias...e irão gerar mais gastos do que receita para o PIB! (você lê que metade do desemprego já foi corrigido pós-pandemia quando na realidade o número de pessoas buscando emprego que diminuiu).
Esse efeito de menos gente buscando trabalho penaliza o consumo futuro, portanto, se existisse um argumento válido para o ouro perder tração (pelo menos em teoria) seria a deflação causada por uma depressão econômica que impacta o consumo futuro, que por sua vez impacta o crescimento econômico futuro.
Se utilizarem corretamente o argumento contra o ouro, então, precisam corrigir urgentemente o consenso dos analistas das expectativas de crescimento de lucro para os próximos anos. Em outras palavras, se temos deflação ou pelo menos uma falta de inflção criada pelo menor consumo futuro, quem garante a estabilidade dos valuations futuros para a bolsa?
E os cortes de Capex recorde em 2020 das principais empresas? E o endividamento corporativo recorde? E os leverage ratios de vários bonds de várias empresas, que se não recuperarem os EBITDAs criam (legalmente falando) brechas para defaults técnicos em High Yields?
Contradição #3: “vem aí um ciclo de alta de juros quando o mundo normalizar em 2021”.
De fato, para aqueles que são importadores de commodities o argumento é válido, principalmente havendo estabilidade na (estranha) economia chinesa - que apresenta dados de crescimento fora do compasso - mas, na calada da noite permite que suas mega construtoras, com grande % das ações pertencentes ao Estado, deem calote nos bonds com alta qualidade de crédito (na semana passada).
Como a China é o maior comprador de commodities industriais, então, uma recuperação econômica recupera o preço de commodities cíclicas como minério de ferro, cobre, etc. Quem importa essas commodities terá inflação, quem exporta terá superávit. Por isso, observamos uma rotação altamente especulativa em novembro para emergentes, sempre atrelados a commodities nos modelos macro.
Esquecem que o custo de serviço da dívida dos emergentes começa a crescer ao passo que as taxas estão em mínimas históricas, e que “qualquer coisa que dê errado” poderá criar um monstro no mercado de crédito emergente ao estilo anos 80 e 90.
Vamos observar o caso americano, um país que passou por recessões inflacionárias nos anos 70 e 80 causadas pela dependência da importação do petróleo, e, o qual durante o governo Trump, com os avanços tecnológicos de shale atingiu a autossuficiência em produção de petróleo, e, incrivelmente, terminou o ano de 2019 como o maior exportador do mundo da commodity.
Ou seja, se o governo Biden de fato acabar com a produção de petróleo americana, não só volta a colocar o país e a estabilidade monetária na mão da OPEC + Rússia, como algema o Fed e suas intervenções caso voltem a cortar a oferta de petróleo no futuro e a inflação do petróleo volte a assombrar os EUA.
Mas isso não vem ao caso para a contradição deste tópico: o objetivo é ilustrar que o mercado não precifica nenhum aumento de juros adiante, ainda mais após o anúncio de Yellen sendo a candidata a cuidar do Treasury Americano (supondo governo Biden).P
Para efeitos ilustrativos, abaixo, coloco a negociação futura de derivativos da taxa de juros americana para a reunião mais distante em negociação corrente Setembro 2021:
Ainda havia um resquício de esperança para um aumento de 25bps com 3% de probabilidade para a reunião de setembro de 2021, mas após o anúncio de Yellen tomar o noticiário nesta semana, voltamos para os mesmos 0% do auge do pessimismo de 2020 no 2o semestre.
Ou seja, até o dia de hoje, todas as reuniões de 2021 do Fed estão precificadas com 100% de chance de não aumentarem os juros.
Portanto, para os curto-prazistas de plantão, esse argumento simplório até o dia de hoje não apresenta evidências. Nem mesmo o mercado de derivativos aposta mais nisso.
Por último, a última vez que o Fed iniciou subida de juros no final de 2015, o Dollar Index decolou com muita força um ano antes, indo de 79.8 no meio de 2014, para 95 em março de 2015, 20% de alta.
O que estamos observando na mesma semana que esse argumento surge?
O Dollar Index tenta de qualquer jeito violar um suporte importante em 92 no dia de hoje, 25 de novembro, buscando 92 pontos. Ou seja, o Dollar Index só não foi para baixo ainda devido as movimentações agressivas do BC Europeu e da subida das taxas mais longas de juros, mas pode ir a qualquer momento, menos, se a recuperação econômica nos EUA for de fato, muito robusta. Cadê a evidência? Até agora, nada.
Conclusão
É simples se pensarmos que “menos é mais” na hora de validarmos o que lemos por aí:
1) O dinheiro institucional não está tão otimista e a pressão vendedora está de férias, o ressurgimento de energia e alguns values stocks são apenas desmonte de vendas a descoberto, muitas vezes usadas por vendedores de put institucionais.
2) FOMO 2.0: a conclusão para a queda do ouro é bem simples com esse argumento.
Infelizmente, mais de 80% dos investidores em bolsa têm prejuízos porque tomam decisões no calor do momento e não possuem planos de alocação. O ouro é um ativo chato, não paga dividendos, não sobe e desce com earnings e notícias, não participa ativamente do noticiário da mídia. Para onde foi o dinheiro dos ETFs de ouro? Para os novos queridinhos da mídia, as “ações da economia real, setor de energia, emergentes, etc”. Muito cuidado com esse movimento.
Finalizo abaixo:
Não posso deixar de concordar que existem sim bons deals rolando no mercado de ações, principalmente Blue Chips pagadoras de dividendos com caixa forte e algumas atreladas a commodities (o que faz bem para um portfólio diversificado no momento atual).
Não estou bearish achando que vem mais uma mega correção por aí, apenas as revisões de guidance e lucratividade tenderão a desapontar, ainda mais se rolarem uns defaults em HY no 1o Tri de 2021.
A história se repete.
Se eu acredito que o ouro irá subir mais, ou cair mais? Não sei dizer, o que sei é que o ouro se tornou a melhor renda fixa para 2021 com estratégias de lançamentos cobertos parametrizadas. Não tem bond de High Yield que pague dividendos melhores que uma estratégia bem implantada de lançamentos cobertos em um ativo que irá sofrer de verdade quando DE FATO as taxas de juros subirem com crescimento econômico, e, aí sim, valerá a pena voltar para o bond market com paz de espírito e bons deals nos Investment Grade Bonds mais longos. Até lá, não podemos nos emocionar e sim pensarmos em sobreviver em qualquer ambiente, pois a narrativa muda de opinião mais rápido que as farmaceuticas descobrem a nova cura do Covid semanalmente.
Bons trades e bom feriado para todos!